17 outubro, 2007

HOMENAGEM A TAO SIGULDA




De: Justino Leite Filho

TAO SIGULDA

O REALIZADOR DE SONHOS

Minutos antes de começarmos mais um ensaio de teatro, Nego, sentado no palco do Esporte Clube Internacional, falou: “Tem um gênio por perto, mora na Figueira Branca, o nome dele é Tao, Tao Sigulda. Se me aceitasse com aluno!..”.

João Justino - ator e escritor. Nesta época trabalhei com ele, como auxiliar geral, colaborei humildemente em cenografia e, tive o prazer de elaborar e ser aprovado pelo corpo teatral, o cartaz da peça “Esse José Vai P’ra Frente” tempos difíceis da ditadura, tudo passava pelo crivo da censura. As intenções subjetivas da peça (o condicionamento das massas às ideais que não lhes convinham), estratégicamente, foram bem maquiadas por João Justino, em cenas objetivas - cômicas. Os personagens extraiam risos nas representações, incorporavam - opressores e oprimidos. Experiências inesquecíveis de jovens dinâmicos, afrontavam os obstáculos, preocupados com a cultura e o destino do país.

Nego (negGO) é José Roberto Frutuoso, o amigo que confeccionava os cenários para nós e que sonhava ser escultor.

Na semana seguinte (negGO) estava radiante, já estava trabalhando com o senhor Tao, era um aluno ajudante, remunerado para aprender; mesmo assim continuou fazendo nossos cenários, criou um jogo de luz e a cada ensaio contava um pouquinho do universo maravilhoso de seu mestre.

Fui conhecer Tao Sigulda, pessoalmente, só após a inauguração de seu Centro Cultural. (negGO), não estava mais por lá, após estudar e trabalhar por cinco anos com o gênio, quando era considerado por Tao um aluno mestre, casou-se e levou sua arte para Brasília.

Considero-me um “peão” das artes plásticas, naturalmente, constitui- me sem ter passado por qualquer ensino ministrador. O que tenho é o privilégio das orientações do Tao. Transcorreram, alguns, anos de pratica em seu atelie, que compreendia: no térreo a oficina de esculturas, e, no pavimento superior circundado por amplas janelas que integrava o verde e as cores das flores do jardim à sua palheta de cores. Quando, Tao achava conveniente transmitir uma técnica, normalmente dentro do quadro que estava elaborando. Ele me chamava – Nego, sobe aqui! Eu largava o que estava fazendo na oficina e vencia, rápido, os lances da escadaria e punha-me sentado ao lado da tela presa ao cavalete para acompanhar a evolução de um nova experiência. Ainda ofegante pela agilidade da subida eu pensava: oportunidade rara. Um Grande Mestre! Todos que o conheceram confirmam-o. Transbordava talentos e muita sencibilidade ao que propunha a fazer e, ao mesmo tempo pessoa de temperamento ameno, atencioso, observador das coisas simples, venerava a natureza. O seu semblante era de paz, não portava o estigma de um calejado pela guerra, apesar de ter sofrido muito nas guerras no velho continente. A determinação de sua vida era só fazer o bem.
Alternando movimentos sutis e vigorosos, Tao manipulava as cores e comentava: por que tal forma tinha que ser assim, qual intensidade, onde estava o equilíbrio, etc... Eternos momentos em memória.

A convite de Tao e Tama, na abertura de uma vernissage, apresentamos a peça Strandera, com um elenco de aproximadamente trinta e quatro integrantes, a maioria crianças. Naquele mesmo domingo, generosamente, o casal colocou o teatro de arena, construído em homenagem a ela, tendo a marca de seus pés, a nossa disposição, inclusive para ensaios.

O Centro Cultural Tao Sigulda, acolhendo instrumentistas, compositores, atores, escritores, poetas, cantores, bailarinos ou dançarinos, fotógrafos, desenhistas, educadores, artistas plásticos, historiadores, jornalistas, educadores estudantes e interessados; passou a ser o espaço cultural mais admirado, mais freqüentado e o mais fotografado por mim. Tama e Tao me pediam as fotos, queriam compra-las, só que já eram deles por direito.

Foi lá que em 1989, Tao apresentou-me Alice Vilherna. Tinha tanto apreço por essa aluna que tirei várias fotos deles juntos. Dei-lhes quase todas, em especial a que Alice beijava sua mão. Tao disse: “Preferia a foto em que eu beijei a mão dela”.

Tao contava com o sol, contava com os ventos, contava com o que viria do céu. Poucas horas antes da abertura de uma Coletiva de Artes, com o tempo completamente fechado, afirmava: “Na hora não vai chover!” Na abertura, chuva eu nunca presenciei, e se garoava quem se importava?...

No início eu lhe fazia pergunta atrás de pergunta, depois de alguns anos passei a perguntar menos porque ele me encontrava e me presenteava com trechos de sua vida.

Tao foi mandado para a guerra, para não ter que matar preferiu uma filmadora a um fuzil. Filmava as frentes de combate, carregava na cintura um revólver sem balas, quando repreendido alegava esquecimento, era sempre repreendido e dava sempre a mesma desculpa. No ano de 1943 estava no carro de reportagem com o motorista e o fotógrafo, passaram sobre uma mina escondida na neve, o carro voou pelos ares, Tao, sentado atrás, foi atirado a doze metros de distância, caiu sobre uma caixa de munição, fraturou todas as costelas, sofreu uma perfuração nas costas e permaneceu em coma três semanas. O fotógrafo teve o braço amputado e perdeu a vida, o motorista perdeu a razão. Tao, após ter ficado temporariamente paralítico – os movimentos foram retornando aos poucos – foi trabalhar no laboratório fotográfico.

Eu queria que essas riquezas fossem desfrutadas por mais gente, tentava, para ele, uma entrevista num programa de TV em São Paulo. Não dava certo, eu me entristecia, ele sorria e pedia: “Tama, prepare uísque para três”.

Também aprendi teatro com Tao Sigulda porque ele sabia, melhor do que ninguém, criar personagens. Extraia-os até do cemitério de peças refugadas, na Krupp Metalúrgica, o que tinha defeito ele transformava em obra-prima; pesquisavas e retratava “Gerações”, esculpia sonhos e sentimentos, expunha um “Carnaval Cósmico” sem deixar de lado “Stravinski”. Seu “Auto-retrato” é uma perfeição, mas confesso que sempre o vi, tanto quanto, no “Cavaleiro do Sonho”.

Falou-me de sua família, de sua inesquecível mãe, homenageada com um busto, de um filho longe dos olhos e dentro do coração, contou-me de seu pai criando cavalos da raça trakeno e cruzando-os com cavalos selvagens. Chegaram a ter mais de dois mil animais. Em 1921, durante a guerra, foram expulsos da fazenda, que ficava as margens do rio Wolga, sul de Moscou, a cidade mais próxima era Saratow. “A guerra é a coisa mais violenta e mais estúpida que existe”. Concluiu Tama. Tao continuava criando cavalos, só que de aço, pedra, ferro, bronze...

O sabiá-laranjeira que cantava extasiava a alma de Tao, mas todos os seres vivos eram respeitados por ele, que sabia quantas vezes por segundo um determinado colibri batia as asas. Se um escorpião, taturana ou cobra, invadisse seu espaço, não corria risco de morte. Tao não matava. “...não feche a porta, tem uma vespa na dobradiça, também não a espante, deixe-a sair quando quiser”.

Ele sempre foi um presente indescritível e impossível de ser desembrulhado. Numa tarde, Tao disse para minha noiva Alessandra uma frase sublime: “Continue sendo sempre essa pessoa!” Aconselhou-nos no amor: “Troquem sempre um beijo, todos os dias, mesmo quando estiverem brigados. Combinei isso com Tama”.

Certa ocasião me disse: “Se um homem prega um prego, segurando de forma errada o martelo, só ensino o certo se ele quiser aprender”.

Falava de países, das cidades e dos rios que a alimentava, de artes, animais, anatomia, filosofia, e com mais alegria de sua amada-musa-mulher: Tama. “Eu a batizei com champanhe e lhe dei o nome de Tama”...

Conheceu-a num sebo, ela era estudante de artes dramáticas e procurava peças de teatro em livros antigos e usados. Estava abaixada, revirando uma caixa com muitos livretos, percebeu que estava sendo observada, levantou o rosto e deparou com um homem de sorriso resplandecente, cachimbo na mão, que lhe disse:

- Posso ajudar?

- Eu procuro o livro O Vale dos Sonhos, ela respondeu.

- O livro eu não tenho, mas posso te levar até lá.

Ela aceitou o convite. Logo ele a pedia em casamento. Seria um “casamento avulso”.

- Como é isso? Ela perguntou.

- A gente entra na igreja, ajoelha, dá um beijo.

Em meados de 1957, entraram numa igreja vazia, se ajoelharam e quando estavam se beijando o órgão começou a tocar. “Deus nos casou!”, ele afirmou e ela confirmou.

As linhas em vermelho, são meus comentários. Sou eternamente grato ao Grande "Tao Sigulda e Dna Tama Sigulda", pela oportunidade me concedida.

Publicado no Jornal “O PÊNDULO”. De 17 a 23 de Fevereiro de 2006.



Link para essa postagem


09 outubro, 2007

Contestação

<< neggoartesplasticas@gmail.com >>


Link para essa postagem


06 outubro, 2007

Gota Sensual

negGO<<neggoartesplasticas@gmail.com


Link para essa postagem